Representatividade: o espaço da mulher na engenharia

Representatividade: espaço da mulher na engenharia

04/12/2017 por Joyce Santos

É provável que, se você for mulher e estudante ou formada em engenharia, já deve ter escutado alguém dizendo que você era delicada demais para essa profissão tão masculina. Ou talvez alguém já tenha perguntado se você acha que te levariam a sério como engenheira. Percebeu que não foi necessário uso de dados probabilísticos ou de pesquisas avançadas, para ficar evidente que a desigualdade de gênero ainda existe? Ficou claro que o papel de homens e mulheres ainda é dividido, separado, segregado? Se ainda não ficou, então vamos falar sobre desigualdade de gênero e a inclusão da mulher em atividades consideradas, até hoje, masculinas pela sociedade.

  • SOBRE A EMPRESA

A Meta Consultoria é uma Empresa Júnior de Engenharia da UFF e, hoje, ela conta com a presença de 87 membros, dos quais 36 destes são mulheres.

gráfico de homens e mulheres na meta consultoria

Ocupando papéis importantes, sendo essenciais no trabalho e desenvolvimento da empresa, é sinal de orgulho citar que as gestões de 2015 e 2016 tiveram prevalência feminina.

Os gráficos mostrados abaixo evidenciam a diferença, em grande parte discrepante, da porcentagem de homens e mulheres nas cinco engenharias que a Meta engloba. As informações foram retiradas do site de transparência da UFF.

gráfico de mulheres entre engenharias

 

Pode ser cultural, pode ser por escolha, por influência ou quaisquer outros quesitos, mas é possível notar que ainda existe o padrão “trabalho de homem” e “trabalho de mulher”. Ainda hoje, vê-se em noticiários relatos de mulheres que vivenciaram assédios físicos e morais em sala de aula, tanto por parte dos próprios colegas de classe como por professores. Medo, insegurança, indecisão, sentimentos que levam uma mulher a pensar inúmeras vezes antes de escolher um curso de engenharia para fazer. Como exemplo dos fatos citados temos a reportagem “Poli-USP denuncia práticas de assédio e violência contra mulher em vídeo”, abordada pelo site da Globo. Nela, são abordados os temas de violência contra mulher e divulgando um vídeo lançado por alunos da USP, com relatos s.obre abusos.

Mas, com a união de todas as mulheres, é possível fazer um trabalho incrível e passar o recado de que todas são capazes sim de se formarem engenheiras e que faculdade não depende de gênero. Já nessa linha da união feminina, o vídeo realizado por estudantes de Engenharia Civil da UFRJ é uma linda alavanca para uma força feminina na engenharia.

  • PIONEIRISMO

É muito importante lembrar de mulheres que alavancaram a engenharia dentro e fora do país. Aqui, três grandes nomes serão citados, duas brasileiras e uma estrangeira. Mary Winston foi matemática e a primeira mulher a se formar em engenharia aeroespacial do National Advisory Committee for Aeronautics (NACA), atual NASA. Para a época, ela conseguiu um grandioso feito, ocupando um espaço onde só homens conseguiam chegar. Ela precisou que a justiça aprovasse sua matrícula na universidade. Sua história, e de mais duas grandes mulheres da NASA, é retratada no filme “Estrelas Além do Tempo”.

Edwiges Maria Becker Hom’meil entrou para a história como a primeira engenheira do Brasil, formada em 1919 pela Escola Politécnica do antigo Distrito Federal, hoje a Escola Politécnica da UFRJ.

Enedina Alves Marques nascida em Curitiba, no Paraná, formou-se em Engenharia Civil em 1945 pela UFPR. Ela entrou para a história do Brasil sendo a primeira mulher a se formar em engenharia em seu estado e a primeira engenheira negra do país.

Para se ter noção da diferença de gênero, na época em que o IME (Instituto Militar de Engenharia) foi fundado, primeira escola de engenharia do país só homens eram formados e apenas em 1919 uma mulher conseguiu se formar engenheira. Além disso, o primeiro negro se formou em 1858, quase um século antes da primeira negra, em engenharia no Brasil.
É possível se aprofundar sobre o pioneirismo com a ajuda do artigo do VIII Congresso Iberoamericano de Ciência, Tecnologia e Gênero para se obter um maior aprofundamento sobre a questão do pioneirismo de mulheres na engenharia.

  • DEPOIMENTOS

Para trazer histórias reais e mostrar as dificuldades e glórias que uma mulher pode encontrar seguindo a carreira de engenheira, duas grandes mulheres falaram um pouco conosco sobre o assunto. Deixamos aqui o depoimento da Ex-Diretora Presidente da Meta Consultoria e a entrevista realizada com a Coordenadora do curso de Engenharia de Produção da UFF para que as mulheres percebam o quão capazes elas são, para que sempre sigam em frente e não desistam. Porque não basta ser mulher, ainda pode ser engenheira!

Maria Olívia Liñares – Graduanda em Engenharia de Produção (UFF). Ex Diretora Presidente da Meta Consultoria, gestão 2016.

“No segundo ano do ensino médio, ainda estava um pouco perdida sobre o que fazer. Eu já gostava bem mais de matemática, química e física, e, por ver em filme, da vida de gestão de negócios/escritório/empresa. Num acompanhamento profissional que fiz, descobri a Engenharia de Produção e achei a “Administração com mais exatas”, ou seja, o curso feito para mim.

Minhas amigas sempre me apoiaram! Eu era boa aluna na escola, então, elas achavam que eu ia mandar bem em qualquer curso. Por outro lado, ouvi que “Engenharia é muito difícil”; “Se não der, não tem problema”, até por familiares. Desde que entrei na UFF, ouvi histórias de “Engenharia não é para menina”, mas nada diretamente a mim. Gosto de estudar, ter notas boas, participar de atividades extracurriculares e ter bons resultados nelas. Um dos casos foi a Meta Consultoria: quando fui eleita diretora-presidente, nem acreditei que era a primeira menina a ser! Acredito muito no nosso gênero, para qualquer coisa. Após meu período na empresa júnior, fui chamada para uma entrevista na L’Oréal. Não vivi/vivo nenhum preconceito lá. Inclusive, acho uma empresa formada por mulheres incríveis!”.

Suzana Hecksher – Graduada em Engenharia Mecânica (UFRJ), mestrado e doutorado em Engenharia de Produção (UFRJ). Coordenadora do Curso de Engenharia de Produção (UFF).

META: Na sua decisão de se formar engenheira, alguém foi contra? (algum membro da sua família, amigos, namorado/marido)

SUZANA: “Não, minha família e amigos deram total apoio.”

META: Desde seu início na universidade, qual foi a maior dificuldade relacionada à gênero que já enfrentou até hoje?

SUZANA:Na busca por estágios. Meu primeiro estágio consegui por muita sorte, o diretor do CIEE na época disse que não contratava mulheres, mas que iria me contratar porque sua filha queria cursar engenharia e ele precisava saber se daria certo, pois achava um absurdo. Era uma empresa machista, composta inteiramente por homens nos cargos altos e só na linha de produção haviam mulheres. Foi um desafio muito grande, pois os homens me olhavam de forma estranha. Eu não comia no refeitório dos engenheiros pois me sentia desconfortável, sempre me sentei no refeitório da linha de produção, onde haviam mulheres. Mas fico feliz pois abri caminho para que outras pudessem entrar depois de mim. Em sala de aula haviam professores que, por haver predominância de homens, usavam piadas machistas e linguagem chula nas aulas, o que era um tanto constrangedor às vezes.”

META: Já foi discriminada/desrespeitada/inibida em algum cargo de trabalho por ser mulher?

SUZANA: “Em uma outra empresa, que entrei como trainee industrial, haviam 60 homens e apenas 5 mulheres. Fui escolhida para ficar no turno da noite, que era mais pesado e só haviam homens. Todos acharam estranho e insinuavam que eu não conseguiria. Em uma fábrica de lubrificantes, no primeiro dia precisei “cortar” o chefe pois ele disse: “soube que contrataram uma gatinha” e eu não achei que aquele era o comportamento certo para o ambiente de trabalho.”

META: Alguma vez já precisou liderar alguma equipe na qual era a única mulher?

SUZANA:Várias vezes. Parece que é preciso provar mais competência do que homens e sempre a todo instante. Fizeram várias coisas para ver se eu aguentava mesmo, mas acabei subindo bastante de nível e em pouco tempo de carreira. Quando eu estava numa equipe só com homens, mesmo sendo a líder, todos se direcionavam aos homens que iam comigo (estagiários, funcionários, etc) como chefe da equipe e não a mim.”

META: Como é o trabalho dentro da universidade? Sente que o meio acadêmico é mais aberto para o público feminino?

SUZANA: “Não tem tantas mulheres no meu departamento, são apenas 7 mulheres de 32 no total. Quando entrei só haviam duas professoras. O meio acadêmico não difere tanto dos demais serviços. O início é sempre o mesmo, como se houvesse uma barreira inicial todas as vezes que nós mulheres começamos a trabalhar. Na universidade o espaço é, às vezes, mais equilibrado. Sinto falta de uma reitora ou pró-reitora na universidade, pois existem muitas mulheres, mas não em cargos altos.”

META: Embora com os números do Sistema de Transparência da UFF nos dizendo que há mais homens do que mulheres matriculadas em Engenharia de Produção na UFF, como coordenadora, hoje a senhora vê mais a presença de homens ou mulheres no curso?

SUZANA: “As mulheres se representam muito bem, para mim são 50% de mulheres matriculadas. Eu não imaginava que era apenas esse valor.”

META: Já foi desacatada de alguma forma vulgar ou desrespeitosa por alunos (homens) em sala de aula?

SUZANA: “Não. Mas fico preocupada com a imagem que vou deixar em aula. Coloquei apenas mulheres para fora de sala, pois elas tiveram atitudes inadequadas.”

META: Qual foi o momento em que mais sentiu orgulho de si dentro da sua formação acadêmica e por que esse momento em especifico?

SUZANA: “Quando fui convidada a ser gerente de uma grande empresa e eu disse não. Era um momento marcante na minha carreira, mas precisei balancear os valores e preferi escolher ficar com minhas filhas.Eu já tinha uma e estava grávida de outra, mesmo assim me chamaram para a gerência e tive a coragem de dizer não. Mas não me arrependo de nada, consegui viver e aproveitar mais minhas filhas.”

META: Hoje, formada, empregada e com a carreira conduzida, a senhora daria qual conselho, recado, dica para todas as meninas que estão matriculadas em Engenharia de Produção e, também, nas demais engenharias?

SUZANA: “Tem espaço para nós mulheres, não precisamos imitar os homens, nos diferenciamos em pequenos detalhes. Não precisa deixar de ser mulher para ser boa no que faz, nós levamos a diversidade. Sempre pense que sua equipe vai te levantar, trabalhar para eles é muito importante, usar a sensibilidade que temos para levar a carreira, espaço da mulher realmente como uma mulher.”

A partir de tudo isso que foi exposto, é necessário pararmos para refletir que, apesar das mulheres já terem conquistado muitos espaços e muitos direitos que antes eram negados, ainda falta muito para chegarmos em um cenário ideal de igualdade de gênero. Mulheres ainda são, mesmo que velado, muito discriminadas por ocuparem vagas e locais que, estruturalmente, são considerados “masculinos”. Com a união das mulheres, muitas barreiras criadas pela sociedade patriarcal serão derrubadas, mas é necessário que a batalha continue com o objetivo de destruir definitivamente os preconceitos ainda intrínsecos, frutos de um contexto social machista e misógino. A luta continua, we can do it!